(...)

"Mas eu não quero ir ter com os loucos", observou Alice.
"Não tens alternativa". Retorquiu o Gato.
"Nós aqui somos todos loucos. Eu sou louco, tu és louca".
"Como é que sabes que eu sou louca?" perguntou Alice.
"Deves ser", disse o Gato, "ou não terias vindo até aqui".

20090125

Cumplicidade

(este é um texto já bem antigo, inicialmente feito para ser um conto...decidi posta-lo, apesar 
de inacabado, pois já não terá seguimento devido ao facto de deixar de ter significado/sentido)


Eram cúmplices. Aquele segredo que os unia interiormente, transformava qualquer profano ambiente que rodeasse a sua proximidade etérea, numa espécie de dimensão paralela secreta, um local sagrado de culto à beleza, à paixão, ao quente encarniçamento dos corpos, à entrega mútua. Só a eles pertencia, autonomamente de quem os cercasse ou do que estivesse a acontecer. O contacto físico não era de todo fundamental. A ligação era maioritariamente psicológica, realizava-se através do mais subtil dos olhares, da mais inocente expressão ou do mais elementar pensamento… a transcendência do espírito de um e de outro fluía livremente entre as duas carapaças que outrora albergavam apenas a essência de cada um. Eram um só espírito…a mais longínqua das distâncias não separava as suas mentes interligadas nem os seus apressados corações, pois eles batiam em uníssono, qual pauta de orquestra clássica guiada pelo mesmo maestro inequivocável, comandando magistralmente os ritmos e os sons que se elevavam e contagiavam de êxtase o ambiente envolvente.

Mas tal como criaturas insatisfeitas, a distância física tornava-se impossível de suportar. Protegidos pela calma escuridão da noite e pelo conforto de um lar (que não lhes pertencia nem nunca iria) tocaram-se pela primeira vez. Arrepios corriam de um corpo para o outro. A paixão com que um simples beijo era trocado era quase violenta. Desejo. O deslizar das suas mãos pela pele um do outro despoletava doces calafrios que se tornavam promessas eternas. Paixão, amor…sexo. Desenfreada repetição.

A entrega era agora completa.
Completa de desejo e corrupção. Aquela que fora uma imaculada e idílica paixão estava agora tingida pelo pecado que advinha do toque. Já não mais seria senão uma pálida imagem turvada como um magnífico quadro desbotado pelo desgaste que o tempo não perdoa.
O que outrora fora um local de culto sagrado etéreo era agora um amontoado de ruínas profanadas pelo contacto. Nunca mais seria igual. O que de mais puro outrora houvera tinha sido estrangulado pela intensidade do desejo físico. Aquela paixão imaculada estava agora coberta por uma máscara, que, sendo impossível de tirar, provocava uma lenta degeneração no rosto, em tempos belo, coberto por ela, tal como uma doença que devora a vitalidade do seu infeliz portador… E quando a doença finalmente se esvanecesse, nunca nada mais seria o mesmo…
(...)
"Como é horrivelmente hedionda essa doença chamada memória…" - pensou.

4 comentários:

Anónimo disse...

Confesso que fiquei de boca aberta (literalmente) !

Excelente mesmo... E com sabor a pouco, queria mais! lolol






"Aquela que fora uma imaculada e idílica paixão estava agora tingida pelo pecado que advinha do toque. Já não mais seria senão uma pálida imagem turvada como um magnífico quadro desbotado pelo desgaste que o tempo não perdoa."


*,)
Coiso ! x'D
(quando quero dizer muito e não sai nada, digo destas barbaridades -.-')

Rosa Brava disse...

Genial!

Prosa muito a meu gosto... posso partilhar?

Clube dos Poetas Vivos disse...

Pedindo desculpa pelo atrevimento, mas não resisti a partilhar este texto no CPV.

Algum inconveniente o mesmo será de imediato retirado.

Um abraço

Unknown disse...

Olá Rosa Brava!

claro, partilha... acho que a poesia (muito ao jeito da pintura, escultura e da música) quando é passada para o papel torna-se universal...
beijo!

Ao clube dos Poetas Vivos:
não há inconviniente algum!
(reitero o que disse acima)
e irei seguir a vossa actividade..

outro abraço!