(...)

"Mas eu não quero ir ter com os loucos", observou Alice.
"Não tens alternativa". Retorquiu o Gato.
"Nós aqui somos todos loucos. Eu sou louco, tu és louca".
"Como é que sabes que eu sou louca?" perguntou Alice.
"Deves ser", disse o Gato, "ou não terias vindo até aqui".

20110207

sem-titulo13 (φάντασμα)

Brinca distante
Menina pequena,
Teu sorriso fascinante
Já a ninguém lembra.

Vai, pequena,  cheia d’encanto
E corre ténue, brinca e canta
Um inocente e floreio canto
Sem qu’um som saia da tua  garganta.

Brada em vão menina absorta,
Porqu’é que ninguém te vê?
Bate em vão, porta-a-porta
Nenhuma abre e tu não sabes porque…

Não se apercebeu que s’alterou
Que já não é a mesma…
Todos são estranhos, tudo mudou
E tudo lhe parece fantasma…

Ineficazes “olás” a petiz proclama
Mas ninguém a vê ou acena,
Ela educada não reclama
E segue só, até á próxima viela.

Chama em vão menina absorta,
Porque mais ninguém te vê…
Bate em vão, porta-a-porta
Nenhuma abre e tu não sabes porque…

De paz sereno e cinzento
Jaz (há muito) no seu leito final,
Tão apodrecido quanto quieto,
Seu outrora delicado corpo jovial.

Perambula translúcida
Perant’esta multidão,
Não mais é vivida
Em nenhum coração.

Clama em vão menina morta,
Já mais ninguém te vê.
Bate em vão, porta-a-porta
Nenhuma abre e tu não sabes porque…

20110201

sem-título11

Consciente da minha tolerância,
Abandonei-a naquela esquina.
Não a quero, está gasta,
Pode ficar para aquela menina...
Que lhe faça bom proveito,
É para mim, menos um fardo no peito.

20110131

14 de Fevereiro

Tudo em ti é profano
Ainda que gente o desminta,
Aquilo qu’eu vejo de divino
É tudo o que teu coração não sinta.

Teus gestos de falsa paixão
Provocam somente oceanos de dor
E teu olhar, d’um maléfico fulgor
Faz sangrar sem compaixão!

Não importando os sonhos que destróis,
Labaredas soltam-se de tua língua calculista,
Fazes com que nenhuma Casa resista
A essa tua fúria de mil sois.

Cheiroso afecto da tua pele transparece,
Encantador, belo e enganador,
Ao teu Sangue perpetuamente negado
Só ao alheio oferecido em esplendor.

Descosidos sorrisos de perigos irreais
E coração há muito sem cor
Repleto de sentimentos bestiais.

20100805

Chimäera (parte1)

E agora;
Agora arrasto este Sol em miniatura
Puxando-o pelos cabelos frágeis.
Tem as velhas unhas cravadas na alvura
Das paredes deste meu sonho passado
De madeira bolorenta e capricho húmido.
Farto-me rápido e num gesto abrupto
Guardo-o no bolso, solene,
Junto da translúcida memória arruinada
E do som soturno daquela sirene
Que nesta contínua carícia alienada,
Desfeita em pontiagudos cacos,
Me fere o Sonho lentamente,
Tão arrebatadamente…

Agora…
Falho ao tentar colar agora,
Esses tantos pedaços
Com usadas tiras de fita-cola,
Que não se conjugam mais. Entre os destroços
Desta caravela que não mais irá voar
Fica a hereditariedade dos espinhos forçados,
Vincados nas rugas do tempo velho, já sem placas ou sinais.
E eu que quis parar e não pude? Impediu-me a pouca
Luz, o gorgulho coagulado na urna da minha boca
E os sôfregos monstros da minha clausura; todos eles rivais.

20100727

sem-título8




















Palavras fracas e reles
Porque não m'ajudais em nada?
Sois como flácidas e ocas peles
Nada dizeis, mas marcais qual chaga,
Cavais fundo minh’alma
Qual penosa e ferrugenta enxada:

“Mortiço prazer, refúgio putrefacto
RevestidoDePoeiraCoaguladaP'laAmargaProvação
Deste Arauto do Apocalipse; que de resto
Goteja sôfrego num delírio de atracção
Pela púbis divina,
Imersa em urina,
Ganidos e uma re-cor-da-ção.”

Rasgai-vos agora de minha cabeça cheia
Para que vos expulse minha vil língua insana.

20100323

sem-título7



De mansinho,
Rosno imoderado para dentro do teu ser
E ranjo as mandíbulas pausadamente
Enquanto cerro os punhos de prazer.
Escuto o teu bater em que se sente
O meu eu dentro das tuas vísceras
Retraídas num espasmo dilatado,
Inconsequente das próximas pancadas
Consumidas num acto adocicado.
Rasga-me a pele:
“Mais, raios! Mais!”
Para em seguida inalarmos o fel
Segregado por poros em triunfais
Corpos colados.
Cobiçados, estrangulados.
Amadas pupilas incandescentes.
A dor não é nunca sentida,
Mas sim nos olhares urgentes:
Em verdade Cantada!

20100211

Estagnação do Ser Superior Plural


Entre mijo carmim e semblantes antropomórficos
E o apenas vosso nojento odor, oh deformados!,
Afugentais destas ruas os conscienciosos,
Pois as suas feridas não acastanharam
E o pus que lhes entupia os vasos sanguíneos
Já não corre mais, nesse comum coração.

As chuvas aladas que caíram tardias,
Encontram-se agora comodamente sentadas.
Já não lavam ou limpam luzidias,
Os dejectos humanos e suas auto-aclamadas
Civilizadas porcarias.

20100204

recordação

(Deixo mais um dos primeiros textos que escrevi. Este encontrei-o nas costas d'um enunciado de exame do 1º ano da faculdade... Não é que o tivesse achado particularmente bom ou diferente, partilho-o apenas porque lhe achei piada...)
A lua há muito que me desapareceu. E a cálida Noite, inconsciente acolhedora dos nossos passados cheios d’um sorriso apenas sussurrado, findou. Deu lugar á cruel veracidade do Dia, cegante d’uma luz grosseira, nauseabunda. Desconfortável. Cheio de perniciosos espectros que deambulam em pares, num pomposo sem-sentido aparente. (Odeio-os.) Caminham com sorrisos vazios cravados na face… (Invejo-os!) A alegria deles trespassa-me, qual seta enferrujada e embebida em veneno de ratos, as costelas quebradas e cruas de frio. No meio dessa algazarra fomentada pela excitação animal, agarrei a tal reminiscência com as duas mãos incomodamente cerradas, níveas de tamanha força. De seguida, encostei-a aos lábios secos e fendidos pelo prazer distante, e tomando-lhe o amargo paladar aquela última vez, arranquei-lhe a cor á dentada, lenta e violentamente, assassinando-lhe cada átomo de vida, roubando-lhe cada prótese adoentada, pétala a pétala e...

(…)
Quando voltei a mim, reparei que tinha tido o cuidado de não engolir nenhum pedaço… não fosse por lá vomita-lo em seguida.

20090901

"Parou de Chover..."

Um pequeno conto que acabei recentemente, já se encontrava esquecido/parado desde o ano passado... Aqui fica para quem tiver paciência para o ler no monitor do pc.

(clicar na capa para abrir...)

20090519

Antes d'VIIIXV

Para L.


Antes d’Outono passado,
A todos indiferente,
Fui perfeito inacabado,
Malfadada e porca gente...

---
[ Desconfiado, tentado,
Aproximei-me contemplando
Aquela pequena fresta de luz
Que através do vidro rachado,
Queimou na minha pele, a forma d’uma cruz.
Deliciado com aquela dor desconhecida
Quedo, absorto fiquei. “Oh marca imaculada!
Ficarás para sempre” – falei.
("Morte a minha repleta de vida,
Foi a ela que antes desejei.
Mas já não quero essa divida
Pois já tenho o que sempre esperei.")
Libertei minha alma enfeitada
Da opulência e falsa riqueza
E entreguei-me à futura recordação,
Ciente do medo, da incerteza
Desta, agora minha, conjunta peregrinação,
A qual, pouco a pouco,
Me devolve a memória que julgava
Apagada, com o toque do osculo,
D’uns lábios feitos de luz alva. ]
---
...entre as incertas folhas
Que lentas caíam vermelhas,
Trouxeste-me, Zéfiro alado,
O que à muito era aguardado.

20090512

Àquele gato perto da estrada, déspota sofredor da inconsciência



(Tudo foi fastidiosamente igual,
Sentido através de teu coração de cal…)
Os tectos que vejo antes e durante
À consciência frontal desta ferida,
Foram enfadonhos e idênticos. Estanque
Fiquei perante a minha inércia concedida
Ao ar que respiro absorto.
…faz apenas com que sinta recusa.
Olho estático ao redor desse aborto,
Porque não sei se é difusa
A existência
Ou se será apenas confusa.
Absurdamente escolhida.
Quente e doce. Gemida.
E finalmente, tolhida.
Já nem ver a tua morte me dá “tusa”.
É igual. Vezes sem conta.
Tão igual, repetitiva e tonta.
Sem sentido aparente, destinada
Apenas a repetir-se
Mostrando-se apenas calçada repisada.
Sangue. Pisoteado, calcado e recalcado.
…esquecido.
Encostado a uma suja valeta imunda,
Ficarás, a partir de agora, descansado
Sem nunca saberes quão majestosamente profunda
Foi a tua ferida.

20090511

Dogma Humanitário



Avassalador desconhecimento
Causador de profunda agonia,
Para quê as memorias e o sentimento
Se tudo acabará um dia?

Porque vos guardo ó fotografias,
(por entre deuses ou lógicas)
Nas minhas estantes empoeiradas
Se quando cessar, não mais serão por mim lembradas?

Para quê o amor ou o ódio,
(oh! quão nada que somos),
Para quê o lembrar e o pódio
Se do sentido jamais seremos donos?

Porque o beijas tu, ó menina?
Pois não sabes a tua sina?
É a morte e o esquecimento
Prenda atroz, da volúpia do tempo

Porque dizes ama-lo loucamente?
E porque te diz ele qu’o mesmo sente?
Não sabeis estar indeclinávelmente fadados,
Ao negro fado, de serem um p'lo outro deslembrados?

Para quê (raios!) o conflito e a vitória
(Iludidas mentes p’lo universo inexistente…)
Para quê os derrotados e a escória
Têm tanto não tendo nada, como toda a errante gente.

(Vãs liberdades totalitárias,
Vagas ditaduras democráticas,
Paradoxos dogmas da crença vulgar…
Sim! E outras belezas d’encantar!
Bons deuses malfeitores,
Malvadas divindades libertadoras…
Atentai nas palavras minhas, ó doutores:
Nem vós durareis, face ás apressadas horas…)

Tão avassalador desconhecimento
Causador de minhas profundas agonias,
Não sou carne nem sou vento…
Somos senão cheiro de defecadas teorias,
Cagadas por mentes aborrecidas…

20090505

Auto-Retrato a uma Cabeça Decepada, em 5 Partes Fugazes


(Feito a partir d'uma ideia algo apodrecida na minha cabeça e o impulso causado pelo sublime ambiente músical de Löbo - http://www.myspace.com/lobodoom )


(i.)
Misantrópico paradoxo
Ou uma amalgama humana,
Inexistêncialismo contraditório
Dotado de consciência…
Sou(?) no meio de tantos,
O que tantos foram no meu meio…
Reneguei ideais e “ismos” e santos,
Porém, guardei-os no meu seio…


(ii.)
Uno, desfaço-me em coisa alguma:
Sou ecos fragmentados,
Fornicados p’lo dogma…
Sou átomos desarticulados…
Algo crente na descrença
Que crio qual doença,
Matei os meus “eus”
Criando um outro falso deus,
E para (talvez) me libertar…
Acorrentei-me ao meu gritar:

( “Sou-o, revolução decibel e agressivo!”
Disse-o urrando e a berrar,
“Fui-o…” – fatigado e aborrecido,
“Estou prestes a cessar…” )


(iii.)
Durmo sabendo-me acordado,
Movo-me sem saber se fui sonhado,
Inventei seres, certezas e alegorias
Pois perdi a lembrança dessas memórias…
Que por medroso ser criei…
Pior! Pois absurdo acreditei
Não conseguir ânimo para dizer
À criança dentro de mim (que cessou de engrandecer),
Que tinha de morrer, enfim…
Criança ela, que nunca cuidou ser morta por mim…

Presumível feto, definhou (sem) o Ser no ventre oco...
Aborto imaginário tornado realidade d’um louco.


(iv.)
…iremos todos amanhã perceber.
Amanhã, quando me esquecer de ser.
Quando a carcaça abandonar o ser incolor
E o pensar for apenas mais um fétido odor…
Mas por agora, Inexistêncializo-me aqui em baixo.
Vou-me esconder debaixo do meu seixo,
Morno desconsolo e aconchegante,
Porque só ele sabe acalmar este desconforto lancinante.


(v.)
Insânia paranóia
Vago descontrolo
Insónia ilusória…
Ilusório é o controlo.
Pois não foi nunca meu cadáver
Que a gravidade tem puchado…
Mas sim o cheiro de minh’alma,
Presa, neste feio lugar descuidado.

20090430

Necessidade (>_<)

("Homenagem ao Acto de que Ninguém pode Prescindir" ou "Uma Merda de Poema")


Um vasto vazio preenche agora
Meu ser povoado de branco,
As horas passam sem demora
Pregando-me a este gasto e sujo banco.

Tripas revoltam-se ferozmente
Emitindo timbres agonizantes…
Do outro lado oiço: “Urgente!”,
Entre ligeiros gemidos, impacientes.

Tento erguer-me deste sentir,
Mal-estar distintamente causado
Por manchas de negro reluzir,
Expelidas, de meu rabo sentado...

“Já saio.”

20090428

...568

Ao entrar hoje no blogger verifiquei que tinha tido, de ontem para hoje, 68 visitas(!)... ultrapassando já as 500 visualizações desde que inseri um contador de visitas neste blog (penso ter sido em Novembro passado). Sei que não são números muito significativos quando comparados com muitos outros blogs mas, tendo em conta que nunca acreditei que tivesse qualquer "feedback" por parte de outros internautas, foram números que me surpreenderam bastante.
Quero deixar o meu agradecimento a todos os que de alguma forma ajudaram a continuar este blog, (fosse através das visitas ou opiniões/apreciações), em especial à minha Outra Parte, Li, por me ajudar a manter a pouca lucidez que me resta :P que me permite continuar, à Preta e a Jo pelas palavras e apoio e ao Victor pelos "desabafos".

Saudações e até breve.

20090422

sem-título4 (kami-sama?)

Nada fazendo para ser acreditado,
Sê-lo-ás sem que o queiras,
Temores provocam o rugido bradado
Por ninguém ouvido…
Por todos escutado.

Sem ti estarão perdidos,
Na incerteza da luz fugidia,
Os que pelo vale escuro caminham.
Aguardam surdos os ouvidos
Pela língua que mudo falas,
Procuram os olhos vagos, pelos
Gestos invisíveis qu'articulas.

Estarás na causa indistinta
Da tua própria dúvida,
Hoje na incerteza prospéras,
Amanhã esquecidas alegres certezas
Serão mal ditas por terras
Que outrora foram tuas.

Mas antes qu'a noite desvaneça,
Aquilo de que te apoderaste injusto
Será tolhido pela névoa espessa
Pois fui eu quem te criou, insensato
D’aquilo que a tua figura roubaria...
O manto negro aproxima-se-te
E tal como estas palavras
A memória tua será esquecida
Pela mágoa de horas futuras.

20090331

sem-titulo3 (falência)



Oblíquo perscrutei errante
O conhecimento e o escrúpulo,
Fiz figas nulo, descrente
Perante meu gasto defeito.

Avancei 100 prosseguimento,
Sem bafo nem vista,
Pisei-me excremento,
Saboreei nenhuma conquista.

Em tentativa última de alcançar…
Fui vago e algo pálido,
E carecendo de ti para voar
Tornei-me sublime asco degenerado.

20090329

Ou



Cruas e ignoradas vísceras
Que m’as rasgues Esperançosamente
E as possas submergir, delícias
Em pavor e aguardente,
Desse pus Imaculadas
E bênções de olhar regente,
O que não compreendi
Entrego-te inócuo e sem defeito
Pois não sei se as senti,
Em luz alguma crente,
Fui oco, de tão perfeito.

---

Má focagem no horizonte,
Só de-mente ingénuo
Tamanha meninice indecente

Sou pequeno…
Tão pequeno.

20090308

Bênção ou Maldição? (discussão)


Se é que realmente fomos criados por alguma entidade superiora, então a racionalidade não terá sido apenas uma piada irónica e de mau gosto para evitar que nós, humanos (seres civilizados dotados de inteligência), compreendêssemos aquilo que realmente somos? Não nos terá sido facultado esse “dom” para iludirmos as nossas pequenas mentes com trabalho, modas, família, hierarquias, guerras sem sentido, filosofias sobre a infinidade do universo, física – quântica, a existência (ou não) de “deus” e outros debates e teorias afins, completamente inúteis e a certo ponto frustrantes, que nos explicam a composição dos átomos e dos planetas, mas que não sabem explicar como acontece o “amor” ou qualquer outro sentimento…
Porque rimos? Porque choramos? Porque sentimos saudades? Porque é que criamos deuses, religiões, paraísos e infernos? Porque é que gostamos de outra pessoa?
Porque pensamos sobre estas “coisas”? Porque é que pensamos que pensamos?

>Apesar de saber que este tópico não levará a nenhuma “conclusão” (nem ser este o objectivo deste blog), gostaria através deste “post” criar uma discussão (ou algo que se lhe pareça) relativamente ao facto de a nossa “inteligência” ser uma bênção ou uma maldição.

20090127

Palavra

Expele-me!” Ordena autoritária.
A dissimulada…a maldita!
Arranhando-me a garganta
Com magnificas roupas doiradas
Que lhe escondem a feição horrífica...
Dançando com o silêncio,
Cai, lágrima seca em minha cara.
Aquietarás a minha dor?” pergunto,
E de sentidos erectos,
Caio inerte. Mudo...
Quero fornicar-te mas faltam-me as forças;
E como se d’uma reles puta se tratasse
Deixar-te usada sem dignidade.
Sussurra-me!” disse baixinho.
Sem pudor ou por piedade,
Pois, que voz seguirás se o vácuo do silêncio
Roubar de teus ouvidos essa gasta verdade?

20090125

Cumplicidade

(este é um texto já bem antigo, inicialmente feito para ser um conto...decidi posta-lo, apesar 
de inacabado, pois já não terá seguimento devido ao facto de deixar de ter significado/sentido)


Eram cúmplices. Aquele segredo que os unia interiormente, transformava qualquer profano ambiente que rodeasse a sua proximidade etérea, numa espécie de dimensão paralela secreta, um local sagrado de culto à beleza, à paixão, ao quente encarniçamento dos corpos, à entrega mútua. Só a eles pertencia, autonomamente de quem os cercasse ou do que estivesse a acontecer. O contacto físico não era de todo fundamental. A ligação era maioritariamente psicológica, realizava-se através do mais subtil dos olhares, da mais inocente expressão ou do mais elementar pensamento… a transcendência do espírito de um e de outro fluía livremente entre as duas carapaças que outrora albergavam apenas a essência de cada um. Eram um só espírito…a mais longínqua das distâncias não separava as suas mentes interligadas nem os seus apressados corações, pois eles batiam em uníssono, qual pauta de orquestra clássica guiada pelo mesmo maestro inequivocável, comandando magistralmente os ritmos e os sons que se elevavam e contagiavam de êxtase o ambiente envolvente.

Mas tal como criaturas insatisfeitas, a distância física tornava-se impossível de suportar. Protegidos pela calma escuridão da noite e pelo conforto de um lar (que não lhes pertencia nem nunca iria) tocaram-se pela primeira vez. Arrepios corriam de um corpo para o outro. A paixão com que um simples beijo era trocado era quase violenta. Desejo. O deslizar das suas mãos pela pele um do outro despoletava doces calafrios que se tornavam promessas eternas. Paixão, amor…sexo. Desenfreada repetição.

A entrega era agora completa.
Completa de desejo e corrupção. Aquela que fora uma imaculada e idílica paixão estava agora tingida pelo pecado que advinha do toque. Já não mais seria senão uma pálida imagem turvada como um magnífico quadro desbotado pelo desgaste que o tempo não perdoa.
O que outrora fora um local de culto sagrado etéreo era agora um amontoado de ruínas profanadas pelo contacto. Nunca mais seria igual. O que de mais puro outrora houvera tinha sido estrangulado pela intensidade do desejo físico. Aquela paixão imaculada estava agora coberta por uma máscara, que, sendo impossível de tirar, provocava uma lenta degeneração no rosto, em tempos belo, coberto por ela, tal como uma doença que devora a vitalidade do seu infeliz portador… E quando a doença finalmente se esvanecesse, nunca nada mais seria o mesmo…
(...)
"Como é horrivelmente hedionda essa doença chamada memória…" - pensou.

20090121

Torpor


Mergulhado num maciço nevoeiro
De mais um eco de minha memoria faminta,
Demoro, atordoado e sem choro.
Rodeado pelo meu próprio requintado bafo poluído,
Deixo escorrer timido para o chão imundo
O vinho de mais uma taça imoralmente servida
Sob esse amargo olhar de mágoa desdita…
 
(…fumo?)
 
Olho o ingénuo com pernas deformadas que se me aproxima,
Vulto d’um agonizante sorriso sofrido,
Esbatido numa expressão de porcelana rosada.
Sussurra murmúrios que fogem ao ouvido
Empoeirado, ignoro satisfeito
Deixando-me envolver pelo cheiro a queimado.
Vem das tuas asas” diz ele, agora em tom claro…
Acena-me um leve gesto incerto, magoado.
Deixo-me entorpecer pelo odor carbonizado
E ignoro a dor sentida
Dentro desta carcaça com vida,
Comodamente enfraquecida.

20081208

(desabafo à inspiraçao)


Esmoreço.

Esmoreço ao tentar-te.
Esmoreço caído num chão frio de raiva outrora carrasca.
Esmoreço retraindo todo o proveito que não mais há em mim.
E quando penso sentir-te na frágil luz que terrificamente me cega,
Desapareço…

Pela raiva frio, declinado neste chão rumino
Aquel’outro proveito meu, porque Não te pertenço.
Esmoreço. Enfraqueço…Penso ver-te e…
Esqueço.

Ondulado sob o meu molde vomito-te
Forma vã e indiscreta, não mais é minha nem pretensa.
Tormenta desencarecida d’um som repetitivo.
Desencantadamente vazio,
Desafortunadamente pretendido…
Esmorecido.

20081023

sem-titulo2 (Lâminas)

 
Quase senti a sua pulsação,
Quase saboreei a sua falsa inocência...
Sim... Quase... Porém,
A lâmina que segurei não mostrou perdão!
Não o mereceu sua débil consciência...

...

Ela em meus braços...A lâmina em seu peito...
Ocupa agora tudo seu justo lugar.
Triste é seus olhos não mais contemplarem,
Pois pena será, não puder ver quão perfeito
Está hoje o cativo luar...

20080905

Nunca



Quando morrer
 
Deambularei num sonho acordado,
Alimentando-me de teu fugaz sorrir.
Esperarei não mais despertar
Ainda que adormecer seja tormento,
Ainda que simulado seja o sentir.
 
Quando morrer
Morri dentro de ti.
 
Morri nas desculpas aborrecidas,
E nas noites de aproximações desaparecidas,
Impregnei de negras culpas,
Este ar que não mais respiras.
O que foste, o que és?
Da minha vez que nunca acudiu
Uma promessa quebrada,
De um doce apelo temperada,
Despojaste de sentido aquela utópica realidade.
 
Quando morrer
Morrerei dentro de ti.
 
Desilude-me a cor dos olhos, peço-te
Uma vez mais...
Adormece-me…
Permite-me divagar naqueles desbotados lençóis
Que tingiste com esse aroma sem cheiro
E abandona-me uma vez mais...
E mais...
E mais...
e...
 
Não morri...
 
Nunca dentro de ti...

20080701

sem titulo1 (medusa)

Pútridos e fétidos sentimentos
D'um arroxeado coração obsceno,
Dúbios são seus intentos
E fatal é seu veneno.

Com um simples olhar condena
Imortais almas a um lento definhar,
Absorve essências serena,
Tinge com sangue o sagrado luar.

Possam as aladas águas,
Que tardam em cair,
Limpar as despresiveis mágoas
Que ela faz sentir.



(Ilustração de: Tiago "MANEL" Santos)

20080627

Frio

Frio.
Assim é esse teu impetuoso coração.
Egocêntrico narcisismo teu que quimericamente me hipnotiza, me transmite esse falso calor fulgoroso de que na verdade és destituída. Atroz Fevereiro imerso de crueldade, fazes-me crer sem necessidade de ver e sentir sem precisar tocar...condenaste-me a alma a uma eternidade atroz e pavorosa quando olhaste dentro de meu peito esburacado...curaste-me as feridas para que aquela que me farias fosse mais verdadeira... impregnas-te a minha incontrolável imaginação com uma inconsolável (até mesmo para mim) e bela utopia. Mas as utopias há muito que findaram... e nem mesmo tu, ó formosa estátua de deusa grega, conseguirás que estas mãos trémulas segurem esse bem que não é meu.

Teimas caprichosamente em caminhar a meu lado numa estrada que só a mim tem visto passar, que só a mim pertence. Teimas... mesmo sabendo que irás ser parada...impedida de continuar, por tua única vontade. Agora que me afasto...que quase já não te consigo observar, impedido pela sensata distância que tu própria impuseste, ainda sentes o mesmo? Ainda possuis essa maldita vontade de profanar os meus pensamentos? Ó esquecimento misericordioso que o tempo tarda em trazer...

Anseio novamente pela solidão, pois já não sei lidar com pessoas, esses desprezíveis seres, ignóbeis e imundos que riem e mentem indiscriminadamente. A essas odeio-as. E a todas a outras também, até mesmo as que sofrem e choram. Faz-me saudades os momentos íntimos em que ainda me deslumbravas... em que descobria arroxeadas flores-de-lotús dentro da tua verdejante imensidão, que tão lenta e docemente me dominava, quais suaves asas de um anjo. Fantástico desejo ilusório. E quão vã é a forma como a mim te diriges.

Cruel é o teu abandono e desleal a tua presença.
És cisne e carcereiro, orquídea e cipestre... és carta de amor e sentença de morte.
Promessa eterna de uma fugaz névoa matinal, ilusória.

(Não deixando de o fazer) Não mais te quero sentir.

Decepção

Através de um involuntário desejo que me assentiu a minha profana consciência, coloquei uma amarga e desconsolada máscara naquela que era a mais angelical das faces...Não que a agora magoada expressão com que me fita através de delicadas gotas translúcidas que caem indiscriminadamente choradas pelas inalcançáveis nuvens negras, perplexas neste cenário melancolicamente cinzento, incite qualquer tipo de deleite à minha extasiada alma. Porém, tal como o impetuoso prazer de uma inocente criança desinquieta ao inexplicavelmente ser impelida a quebrar um harmonioso jarro de flores da sua progenitora, (ainda que saiba que é desacertado) assim é o prazer de que usufruo-o actualmente ao ter certeza que o desapontamento que lhe causei foi verdadeiramente genuíno. Não é decerto um sentimento, esse o da desilusão, que posturas mascaradas e amarelas de falsidade e logro possam delicadamente ocultar, como a noite sombria faz em prol do ladrão. Oh! Como a sua demonstração desse vil e mesquinho sentimento é docemente encaminhada até ao palato do meu coração! E quão grande é o meu deslumbramento!

Sórdidos são os teus intentos…
Eram…!

Ir-te-ei oferecer tantas decepções carmim quanto me forem toleradas. Ir-te-ei impregnar tamanha porção delas até a morte por desgosto se apoderar da tua reles alma desprovida de justiça. A justiça é cega e tu julgas somente com esses olhos que quimericamente me fitam, hipnotizam e entorpecem…

Sigo-te…quero-te…não…recupero a minha ténue força…

Eis o meu admirável espelho do egoísmo.

Agora que o viro para ti, que te obrigo a olhares fundo no teu gélido coração, julga, avalia e crê no que observas assombrada.

Não mais hipnotizarás.

Chora.

Vermelho-Sujo

Penso que o pecado consumado da inveja, muito meu para com escritores, poetas e afins, foi a única razão que me impeliu a tomar-lhes este rumo, que me é desconhecido (ou pelo menos não tão familiar). Letras. Palavras. Frases. Quero com elas expulsar do meu interior pútrido, confusos sentimentos repetitivos como este maldito tic-tac de um enorme relógio de cuco numa fria sala obscura e solitária de cor vermelho-sujo…Não! Exijo que elas exorcizem todo o mal/bem que possuo dentro do meu peito para que depois, finalmente desprovido de sentimentos, me torne um ser sem sensibilidade de espírito. Poderei até, mais tarde, permitir-me observar parte daquilo que outrora pensei me fazer sentir vivo, (como agora penso que faz?) no entanto, sem remorsos ou estúpidos sentimentos de culpa. (oh doce engano venenoso que me adoças os lábios e aqueces o coração). Ou então, que ao reler-me nesse (espero) distante momento, não me fizesse sentir tão cadavericamente esvaziado como nos demais anos que o tempo não tem vindo a perdoar ao meu desgastado-pelo-uso motor vermelho.

Assemelha-se-lhe o tempo, caprichoso.

A sua presença, ora radiante ora implacável, todavia omnipresente, exerce sobre mim uma espécie de aperto invisível, que actua como um poderosíssimo torniquete metálico ou mesmo talvez como a pressão que se encontra no fundo dos oceanos inabitavelmente gelados. Invade-me o peito em repentinos movimentos repetidos (como o ponteiro dos segundos naquele velho relógio) até que finalmente convergir na mais pavorosa estagnação.

Sim…é, tal como o inevitável fluir do sempre fugaz tempo, implacável. Ainda assim, até o tempo com o seu imparável avanço possui momentos mortos.

Afastou-se finalmente.

Mata-me! Rápido! (Não. Lentamente, por favor…)

Degrada-me ainda mais um pouco a cada avanço (agora mais vagaroso) do ponteiro dos minutos desse antiquado relógio de cuco. Mas sempre que se aproxima a (nossa) hora marcada, quando o culminar do esforço sentimental desse ponteiro para se encontrar com a sua amante na casa das 12 atinge o seu expoente máximo, quando esse mesmo fabuloso momento chega, o cuco não canta. A portada da sua moradia abre-se… porém, já ninguém habita a escura e húmida abertura no topo do velho relógio de mogno. E o pesaroso silêncio instala-se por todo o espaço vazio da sala vermelho-sujo. A mesa já não tem tampo e as cadeiras já não têm encosto. As outrora belas orquídeas prostradas num vaso requintado no peitoril da única janela da sala apresentam um aspecto quase miserável. Já não é confortável.

Mas ele continua lá. Avança soluçante…faltam-lhe as forças. Apodera-se dele um sufocante cansaço. A sua passagem pela casa das 12, algo que já se lhe tornara familiar, avizinha-se agora como uma tarefa praticamente impossível de se repetir…e quantas foram essas pecaminosas repetições! Ainda que sempre breves, nunca deixaram de ser imbuídas num deleite tal que o desejo do regresso ás 12 tornara-se quase uma obsessão. Mas o velho relógio de mogno era de corda…e quem iria entrar naquela sala fria e de texturas vermelho-sujo para lhe dar o último laivo de força que ele precisava?

Parou enfim…

O canto do cuco nunca mais será entoado. O maldito tic-tac suave dos ponteiros não mais se irá ouvir.

Ficou agora vazia, a sala vermelho-sujo… verdadeira e inevitavelmente vazia…